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27 outubro, 2010

Sol

I
Tenho aqui uma sacada
Que quanto foi projetada
Já foi sendo pensada
Pra ter uma grade
Toda quadriculada
Quadradinhos de cinco por cinco
Ou mais ou menos essa medida
Em centímetros, delicados
Que se estendem de lado a lado
E preenchem a fotografia de cima a baixo
Tanto que
Recém peguei as chaves do mono ambiente e entrei com as malas
Já fui sentindo a necessidade de enganchar uma plantinha.
Foi quando sai para pesquisar o mercado das plantas do bairro Balvanera
E numa loja da Rua Pueyrredón achei uma primavera
Que perfeitamente se enrolaria na gradezinha.
Acontece que o pé de primavera cheio de flores estava por quase cem pesos
Claro que não comprei, sai e vinha andando pela Rua Viamonte
E um pouco antes do palácio das águas eu vi
Que uma vendedora ambulante,
Sentada na sarjeta com um saião rodado torcido e ajeitado entre as pernas,
Oferecia o mesmo pé de planta, a primavera cheia de flores, por trinta e cinco pesos
Ah! Que sorte a minha
Sentei, negociei e levantei com a planta
E vim trazendo-a como uma mulher fraca que carrega uma melancia com rabo de pavão.
Foi assim que cheguei de volta a casa.
Enganchei -a, enrolei- a, reguei-a
E virou um hábito cuidar da primavera tanto quanto aos poucos a sacada ficava rosa.



II
O fato é que o tempo foi passando e eu fui cada vez mais me enrolando com coisas que não tem nada a ver com as flores da minha sacada.
O trabalho vai aumentando e a rede social e não social exige muito e balança tanto quanto as redes das varandas, porém em proporções mais ampliadas, do tipo skycoaster multitudinario sem trava de segurança.



III
Como é que se pode considerar as noticias recentes dos países latinos? México, Chile, Equador, Haiti, Brasil, outros, todos, e a Argentina do dia 20 e 21 de Outubro de 2010. A cidade de Buenos Aires virou uma multidão de pessoas marchando pela Avenida Callao e Avenida Corrientes até a Casa Rosada, uma cidade em baixo da minha sacada, caminhando e cantando - “mira Cristina, que popular, assassina por lutar”. Motivo: o assassinato do jovem de 23 anos, Mariano Ferreyra, estudante de historia da Universidade de Buenos Aires. Os detalhes rolam na Internet na dimensão de um confronto político entre militantes partidários, trabalhadores terceirizados, empresa de transportes e movimento estudantil.



IV
De um dia complicado por transito, metro e linhas coletivas cortadas, aulas suspensas e a Universidade de Buenos Aires repudiando os atos de violência, volto a casa com vários vídeos amadores que não subo pela baixa qualidade audiovisual. Recorro à sacada e percebo um tapete cor-de-rosa, formado por flores que não estão caindo, mas que estão sendo cortadas por uma população de pequenos insetos branquinhos. Eu não domino as explicações científicas para esse caso, mas sei que uma delas tem relação com o fato do ângulo ser desfavorável ao Sol.



V
Brilhe em mim, ó Sol amarelo!
transfira-nos a todos nós os componentes vitais
amanhã te esperaremos sob o ângulo mais indicado
e não passaremos filtro solar nas ideias
e não levaremos lenços ou chapéus
e chegará um momento de tanta luz
que abriremos os olhos sem dores
e o Sol brilhará em nós
um brilho maior que o brilho 
dos cabelos dos nossos amores




31 agosto, 2010

primeiro a criança perguntou o que é: árvore

 "Lo único que queda del encuentro es la seguridad de que los adultos no tenemos la menor idea sobre el verdadero significado de las palabras" (Gabriel Garcia Márquez)

primeiro a criança perguntou
o que é: árvore
depois, o que é: fruta
depois, o que é: vitamina
e fez uma sequência de perguntas
até chegar noutra
que foi virando rima


o que é essa coisa
a memória
onde é que ela mora
por onde é que ela ia
vir a ser poesia
ou ter um e outro ai
e pra onde é que ela vai
é desprovida de lugar
ou tem cantinho certo
um lar
quanto tempo longe
quantos metros perto
tem tamanho
tem idade
que parentesco tem
com a saudade
é filha, ou é pai


a memória, criança minha,
esse recurso humano,
e de outros seres vivinhos,
que nos faz recordar
outros passados anos
é como um cofrezinho
em que guardamos o que aprendemos
tudo o que vivemos
desde pequenininhos


uma história é possuir memória
outra, é o poder de lembrar


há até um sujeito
de nome Paulinho
que canta assim, na viola:
meu filho tome cuidado,
quando eu penso no futuro
não esqueço o meu passado...


o agora: é um presente!
e essa coisa, a memória
por estar grudada e costurada,
é impossível ser evitada
na construção do amanhã,
na escolha em ser o mocinho,
ou, criança minha, o malvadinho....
e o verbo escolher, menino,
é deixado de fora por muitos memórias,
não se esqueça.

26 agosto, 2010

...traremos

ser intruso
em terra ousada
a qual abre portas
e um acordeon inteiro
tantas vezes quantas mandar o tango
onde até no silencio há passos,
pernas coreografadas
em oito trançados tempos
mais longos que o tempo
da já mais que ensaiada semana

ser intruso...
posso sair pela rua oferecendo-a nada
 dinheiro, nada!
mulata, nada!
músculos faciais rígidos, imóveis

ganhando inexistir o virtual
na aula de desvendar

elementos da natureza...
extensão das humanidades...
é contato, e sabemos


sempre trará prazeres
sempre trará desgostos
trará, trarão, traremos...

13 agosto, 2010

admirável




FOME





   Romance FOME de Knut Hamsun, de 1890.
Título do original norueguês: Sult.
Tradução de Carlos Drummond de Andrade.
Editora Delta, Rio de Janeiro, 1963.

Ilustrações de G. Lambert.



"Traços semelhantes, bem humanos, e ainda outros, em vez de debilitar, reforçam a impressão causada pelo conteúdo clássico da narrativa. Dissipam a apreensão que poderíamos sentir ao ver o ideal cintilando a expensas da verdade; garantem a sinceridade do desenho, a verdade das imagens e dos personagens. O que encerram de humanidade geral não escapa a ninguém. A prova está no acolhimento que esta obra encontrou em povos de língua, caráter e de costumes diferentes. Além disso, pela leve tintura de humor sorridente, que o autor põe nos traços mais tristes de sua narrativa, ele próprio nos mostra como se compadece da natureza e do destino humanos. Ao narrar, porém, não se afasta nunca da mais completa serenidade artística. O estilo despojado de vãos ornamentos capta com segurança e clareza a realidade das coisas, e aí vamos encontrar, sob forma pessoal e vigorosa, toda a riqueza de tonalidades da língua materna do escritor" ( trecho retirado do discurso de recepção pronunciado pelo Dr. Harald Hjarne, no dia 10 de Dezembro de 1920, por ocasião da entrega do Prêmio Nobel de Literatura ao escritor norueguês Knut Hamsun, por sua obra Os Frutos da Terra.)  




"Posso deter-me de novo para escutar o murmúrio da floresta. Serão ondas do Egeu, a sussurrarem a meus ouvidos? Será a torrente Glima? De tanto ficar assim a escuta, sinto-me enfraquecer; assaltam-me recordações de minha vida, milhares de alegrias, músicas, jogos e flores. Nenhum esplendor é comparável ao murmúrio da floresta, a esse balanço, a essa loucura: Uganda, Tananarive, Honolulu, Atacama, Venezuela..." (Knut Hamsun)

17 junho, 2010

Haveria de bom em estar entre
e não ser ponte
estar com o coração
mais pra lá
que pra cá

Aliás
o corpo inteiro,
a mão que telefona
e abre e-mail

Agora,
mais pra cá,
onde a cor é outra
também o corpo quer ser outro
mas está proibido
pelas leis mais naturais

alguma coisa resiste por fora
ocupa um lugar
e o que existe por dentro, transforma

também o tempo quer ser outro
outra estranha relatividade

A poesia é  o colete salva-vidas


A poesia é o vento
que vai daqui pra lá
e vem de lá pra cá




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No vendaval infinito
percorrem o ciclo
algumas figuras altamente
teatralizáveis e sensíveis.
Figuras voam, figuras vagam
a fim de que as encontremos:

algo de Jorge Luis Borges:





02 junho, 2010

*


Pareço que afundo no celeste
Desse azul que parece céu

Essa rua, a minha,
é a mais colorida de celeste
mais colorido do agreste

E esse azul predominante
que piso,  pego
e emaranha meu cabelo quando voo
desbota paciência
gruda na sola do
pinga da barra da calça
e entope o cano da pia

Pareço que afundo no celeste
Desse azul que parece meu
E pareceria sempre ser
Se não tivesse passado
A parecer ser mais da rua
De la nación hermana

Parece que me afundo no celeste
Desse azul que passa ser meu
E agora o é, grudou, o sou

E não desisto de tentar misturar com a dele
a minha lingua vermelha, lingua flor amarela

São  dele meus  esforços de reciclagem
a minha blusa de lã
a coceira pra repensar credo e cor
os empirismos e salto criativos
para internalizar o que parecia ser
muito muito muito
regional, contrario e adverso
ao meio da minha nascente

mono cor fria, topo de colina
repelente traiçoeiro: atrai
e aproximo-me...e aproxima-se...
pelo lado contrário,
e há alguma proporcionalidade
entre estarmos menos distantes
enquanto mais diferentes
(trecho do Livro que não existe)